segunda-feira, 27 de junho de 2011

Santuários nazis e o mercado imobiliário

No outro dia li no jornal que tinha sido posta à venda a "casa" onde a família Goebbels viveu entre 1936 e 1943. O artigo era ambíguo – como tendem a ser, hoje em dia, os artigos do Diário de Notícias, que decidiu dar emprego a vários "jornalistas" que não sabem sequer escrever – e, naturalmente, estranhei que a casa de Goebbels tivesse sido deixada em pé após o final da guerra. Afinal, a febre demolidora de edifícios conotados com o passado nazi da Alemanha é sobejamente conhecida.

Uma pequena amostra da propriedade que pode ser vossa
por uma módica quantia.
Fui então investigar e descobri com grande facilidade (abençoado Google) que a propriedade que se encontra à venda não inclui a casa de Goebbels – que foi, como seria de esperar, arrasada –, mas tem outros atractivos: uma área de 6440 metros quadrados na exclusiva ilha de Schwanenwerder, Berlim, uma praia de 83 metros e muitas arvorezinhas. Não foi fixada uma licitação mínima, por isso, se estiverem interessados, podem fazer ofertas ao município de Berlim até 22 de Agosto. Se estiverem preocupados com a falta de alojamento (presumo que não queiram passar o Inverno alemão numa tenda), fiquem a saber que a bonita casa de Goebbels cedeu o lugar a um modesto e funcional bungalow de tijolo, erigido nos anos 50.

Mas o bunker ria-se na cara das autoridades soviéticas
e dos seus explosivos.
Já que andamos de volta do assunto do mercado imobiliário, falemos da demolição da última morada de Goebbels, o Führerbunker. Durante muito tempo, a sua localização foi ocultada, pois as autoridades receavam que se tornasse local de peregrinação nazi. O próprio conceito de “peregrinação nazi” é problemático pelas suas conotações religiosas, mas adiante. A verdade é que, após um saque bastante completo logo em 1945, as autoridades soviéticas decidiram demolir o bunker em 1947. Tentaram uma vez. Depois voltaram a tentar (1959). E ainda mais outra vez (1988 – 89).

Os prédios feiosos e o nada glamoroso
parque de estacionamento.
Aparentemente, o bunker tinha sido construído para durar, pois recusava-se a morrer. O problema é que este complexo subterrâneo se encontrava numa parte bastante central da cidade, muito apetecível para os patos-bravos. Durante os trabalhos de construção de edifícios bastante feiosos em finais da década de 80/início da década de 90 destruiu-se o que se pôde do bunker de Hitler e encheu-se de entulho o que ficou. Por cima fez-se um parque de estacionamento. Talvez fosse este o fim adequado para o último bastião do III Reich.

Em 2006 as autoridades cederam e inauguraram uma placa marcando o local do Führerbunker, e os locais provavelmente suspiraram de alívio, fartos como estavam das perguntas dos turistas sobre a localização do complexo.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A triste sina do pêlo

O pêlo foi sempre o habitante mais indesejável do corpo humano. Actualmente, essa honra pertence aos micro-organismos menos simpáticos – algumas bactérias, vírus, parasitas et al. – mas os pêlos ainda vêm em segundo lugar.

Tenho a certeza que os pêlos deverão servir algum propósito obscuro, caso contrário teriam sido já eliminados pelo processo evolutivo. Não obstante, o ser humano dedicou-se, desde cedo, a apagar todos os vestígios de pilosidades indesejáveis. Estando as Gillettes a uns séculos de distância, as pessoas tiveram de ser criativas.

Há algo de estranho em rapar cabelos para depois
se usarem perucas. Mas pensem nos piolhos.

Antes de o Homem ter percebido que poderia usar lâminas fabricadas especialmente para o efeito (havia também o incómodo problema de ele ainda não ter aprendido a trabalhar o metal), foi obrigado a servir-se de coisas que a Natureza lhe fornecia em abundância: um par de conchas – usadas como pinça –, pedra lascada, dentes de tubarão. Tudo indica que tenham sido os egípcios os primeiros a usar lâminas de metal na sua depilação diária, o que viria inaugurar uma longa era de acidentes depilatórios embaraçosos.


"Barbeai-vos, e sereis
recompensados!"



Apesar de tudo, muitos homens não veriam qualquer problema em passear enormes barbas e, presumivelmente, muitas mulheres também não se importariam com as suas pernas hirsutas. Alexandre, o Grande veio, porém, incutir novos hábitos aos seus seguidores, pois estava farto de assistir a desaires militares provocados por puxões nas barbas dos seus soldados.




Mas parece que Adriano apenas usava barba para esconder
a sua má pele. As mulheres não tinham esta opção.
Os romanos, se eram gente prática em muita coisa, não o eram quando se dispunham a depilar-se. Júlio César preferia que lhe arrancassem os pêlos da barba um a um, com uma pinça – resta saber como arranjava tempo para legislar e entrar em guerras –, enquanto os seus conterrâneos se livravam das suas pilosidades faciais e corporais esfregando uma pedra-pomes na pele (sim, tudo parece indicar que os romanos eram masoquistas). Felizmente, parece que alguns escolhiam evitar o sofrimento usando lâminas. A moda das barbas apenas seria reintroduzida em Roma pelo imperador Adriano (76 – 138 d.C.), que adornava a sua cara com uma bem cuidada barba.

Entretanto, as mulheres – sempre engenhosas – inventavam cremes depilatórios. O que não é surpreendente, visto que a alternativa era uma pedra-pomes. Ou um acidente com uma lâmina afiada.

Gillette também fez dinheiro vendendo
lâminas a bebés. Que vergonha.



Até à invenção de lâminas mais ou menos seguras, os homens eram obrigados a ter arte e uma mão firme no momento de se barbearem, ou a entregar o serviço a um barbeiro profissional e esperar que ele não tivesse bebido demasiado na noite anterior. Apenas em finais do século XIX seriam inventadas as lâminas de segurança, com um dispositivo que evitava feridas graves. Daí até à invenção das lâminas descartáveis foi um instante. Desde então, a marca Gillette tem acumulado milhões, tudo porque o seu fundador percebeu que vender um aparelho barato com lâminas recarregáveis caras encheria os seus bolsos. É o capitalismo em acção.

sábado, 18 de junho de 2011

O bordel espião

Pergunto-me se o GoogleMaps também fornece indicações
de bons bordéis, como faz com os restaurantes.
Na Berlim dos anos 30, no número 11 da Giesebrechtstrasse, funcionava alegremente um bordel chamado Pensão Schmidt. Apesar do engenhoso disfarce fornecido por este nome, toda a gente devia saber que ali não se oferecia apenas cama e pequeno-almoço. Desenvolviam-se no número 11 todas as actividades típicas de um bordel, com a particularidade de os participantes nas ditas actividades serem dignitários alemães e diplomatas estrangeiros – tudo gente importante.

Os desordeiros SAs.
A meio do ano de 1939, os mais atentos já previam o início de uma guerra. Os ainda mais atentos já a previam desde 1933. Neste último grupo incluía-se, provavelmente, a proprietária da "pensão", Kitty Schmidt, que vinha sendo incomodada por uma polícia já não muito tolerante dos vícios berlinenses, ao mesmo tempo que assistia à substituição da sua clientela tranquila por uma data de SAs desordeiros. Assim, a Madame decidiu dedicar parte do seu tempo (aquele que não passava a assegurar o bom funcionamento do bordel) a transferir o seu dinheiro, pouco a pouco, para bancos britânicos, através de refugiados judeus que ajudava a sair do país. O problema veio quando Kitty se dispôs a gastar os frutos do seu trabalho, tendo para isso de abandonar a Alemanha. Em Junho de 1939 saiu de Berlim com um passaporte falso, mas foi apanhada na fronteira por homens do SD – os serviços secretos das SS – que já a tinham debaixo de olho. Aí, a Madame recebeu uma proposta indecente.

Heydrich tenta interessar Himmler nos seus planos, mas este
prefere assegurar-se que fica bem na fotografia.
O manda-chuva do SD, Reinhard Heydrich, tinha tido a brilhante ideia de usar um bordel para espiar gente importante e ver se alguém dizia mal da causa nazi. Heydrich pensou, com admirável lógica, que homens sob a influência de bebidas espirituosas e de belas mulheres sem roupas teriam as línguas necessariamente mais soltas. Estando o SD cheio de indivíduos de espírito prático, cedo se tornou claro que ficaria mais barato requisitar um bordel inteiro do que ter a chatice de se infiltrar num. Quando teve de escolher entre ir para um campo de concentração ou ajudar o SD neste seu plano diabólico, Kitty não terá tido grandes dúvidas.

Hábil recriação do Salon Kitty com letreiro de néon
à maneira de Las Vegas.
A Pensão Schmidt ficou uns meses fechada para obras, para tristeza dos seus clientes. O que estes últimos não sabiam era que o interior do edifício estava a ser artilhado com aparelhos de escuta de última geração. Entretanto, a polícia de Berlim realizava rusgas diárias em bordéis e outros sítios mal frequentados para reunir algumas prostitutas que seriam depois submetidas a um treino especial de espionagem. Quando reabriu as suas portas, de cara lavada, o bordel agora chamado Salon Kitty tinha vinte novas raparigas para uso exclusivo de uma clientela especial, que se identificaria através de uma frase-código: "Venho de Rotemburgo". O código foi então astutamente espalhado por entre selectas figuras do aparato militar nazi e do corpo diplomático estrangeiro. É, contudo, lamentável que após tamanhas manobras de espionagem o código fosse tão pouco glamoroso.

Depois de entreter inúmeros e indiscretos clientes de alto gabarito, o Salon Kitty sofreu em Julho de 1942 um ligeiro bombardeamento que obrigou a uma pequena relocalização das instalações. Conscientes de que um edifício meio destruído fazia pouca figura, o SD abandonou o projecto. Madame Kitty saiu a ganhar: as vinte raparigas especialmente treinadas em línguas estrangeiras, combate corpo-a-corpo, política externa, economia, e sabe-se lá em que mais ficaram ao seu serviço.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Narizes na História: Cícero

Se têm lido este blog com atenção, já devem ter percebido que os romanos tinham alguns hábitos questionáveis. Um desses hábitos consistia em adoptar os cognomes mais ridículos e fazer deles bandeira, passando-os a filhos, netos, e por aí em diante, sem sequer pensar nas implicações que tal alcunha poderia vir a ter, por exemplo, numa carreira política.

Infelizmente, Cícero tinha um nariz normal.
Nem um grão-de-bico à vista.
Debrucemo-nos sobre o caso de Cícero. Habituámo-nos a chamar-lhe assim, mas ele era "Marco Túlio", e Cícero era o seu cognome de família. Reza a História (ou Plutarco) que esta alcunha foi dada a um dos antepassados de Cícero, que teria um sulco na ponta do nariz comparável ao que se encontra nos grãos-de-bico (cicer, em latim). Alguns acham mais provável que a alcunha se devesse ao facto de os antepassados de Cícero terem prosperado no cultivo e comércio de grão-de-bico, mas isso é gente que gosta de arruinar uma boa história. O que será melhor para um candidato a uma carreira política de sucesso em Roma?

1) Um antepassado com um nariz imponente
2) Antepassados agricultores de leguminosas

Pois, bem me parecia.

Os romanos e as leguminosas tinham uma coisa em comum:
viviam em promiscuidade.
Aparentemente, a estranheza da coisa levou alguns conhecidos de Cícero a insistir que ele mudasse o seu nome quando entrou na política, mas o famoso orador recusou. A mudança confundiria muita gente – isso é óbvio – mas a verdade é que Cícero não via razão para se dar a esse trabalho quando, afinal, muitos dos seus pares carregavam o fardo de nomes igualmente ridículos: Fábio (faba ou fava), Lentulo (lentes ou lentilha), Piso (ervilha)...

Tentemos não pensar demasiado nas razões deste fascínio dos romanos pelas leguminosas.

sábado, 11 de junho de 2011

O mistério da súbita popularidade de Hitler

Não falo do Hitler histórico. A popularidade desse, felizmente, tem-se mantido baixa desde a sua morte (vamos ignorar aqueles que juram a pés juntos que ele fugiu para a América do Sul e está vivo ainda hoje, numa praia paradisíaca, a beber daiquiris por uma palhinha colorida. Se o leitor for da mesma opinião, vá-se tratar, porque o Hitler teria 122 anos se fosse vivo, não haveria daiquiris que lhe valessem). Falo do Hitler interpretado por Bruno Ganz no filme Der Untergang.

Fazer troça de Hitler tem sido passatempo de muita gente desde tempos imemoriais (ou, pelo menos, desde a década de 1930, porque antes disso quase ninguém o conhecia). O pioneiro desta arte foi Charlie Chaplin, com o filme O Grande Ditador, de 1940. Chaplin é o maior dos parodiantes de Hitler porque gozou com ele enquanto o homem ainda estava vivo, e isto foi obviamente um grande feito. Actualmente, temos de nos contentar com fazer troça de Hitler com ele já bastante morto mas, para compensar, podemos recorrer ao auxílio das novas tecnologias para criar paródias cada vez mais interessantes.

Der Untergang chegou aos cinemas em 2004 e, desde então, deu origem a milhares de paródias que podem ser encontradas, na sua maioria, no Youtube. Não me admira, porque o filme é mais assustador do que sei lá o quê e a única forma de lidar com ele depois de o ver de fio a pavio uma vez é voltar a vê-lo através das ditas paródias.

Nestes vídeos normalmente curtos, o bunker onde Hitler passou os seus últimos dias transforma-se num manicómio cheio de pacientes sob o efeito de drogas. Aproveitando o facto de muita gente não entender alemão, tudo o que os intervenientes dizem é adulterado por legendas disparatadas. O efeito cómico é maximizado pela quase constante fúria de Hitler. Entre muitas outras coisas, Hitler aprecia os dotes musicais de um homem russo que consegue cantar uma música sem letra, perde o seu fiel ajudante-de-campo para o ditador de um país desconhecido, treina para operador de call-center

Quem está familiarizado com a Internet conhece a sua incrível capacidade de transformar qualquer coisa numa anedota. Até Hitler, que é provavelmente o indivíduo menos hilariante de todos os tempos. Podia agora lançar-me numa tirada sociológica/antropológica explicando as razões desta necessidade de nos rirmos de Hitler, mas não o farei porque não percebo grande coisa de Sociologia ou Antropologia. Deixar-vos-ei apenas um aviso: se forem até ao Youtube ver estas paródias, cuidado; quando voltarem a olhar para o relógio, terão passado cinco horas. É assim a Internet.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ligações Perigosas: Hitler e o Rato Mickey




Hoje inauguro aqui no blog a rubrica "Ligações Perigosas". As primeiras vítimas: Hitler e o Rato Mickey.
Se pensam que é improvável que estes dois tenham tido uma tórrida ligação, digo-vos que a sua relação teve todos os ingredientes de uma telenovela de sucesso:

Fase 1: paixão assolapada.
Fase 2: amor sincero.
Fase 3: traição e desespero.
Fase 4: renegação e vingança.

A 22 de Dezembro de 1937, o Ministro da Propaganda Goebbels escrevia no seu diário perfumado:

"Ofereci ao Führer 12 filmes do Rato Mickey como presente de Natal! Ele ficou muito contente com este tesouro."

Goebbels, Goebbels… Devias ter-lhe dado uma gravata.

Assim começou (ou continuou) a paixão não correspondida de Hitler pelo Rato Mickey.

Numa entrevista, o filho de Albert Speer, arquitecto e Ministro do Armamento do Reich, conta que quando se deslocava com o pai à mansão de Hitler nas montanhas, entretinha-se a ver filmes do Rato Mickey no cinema privado do Führer.

Mas esta felicidade não podia durar para sempre, pois Walt Disney, alheio aos sentimentos que a sua personagem despertara no coração do líder da Alemanha Nazi, usava os amigos do Rato Mickey para fazer propaganda contra Hitler e os seus seguidores. Embora um filme protagonizado pelo Rato já tivesse sido proibido na Alemanha em 1930, a guerra foi, digamos, a última gota: em 1941, Mickey foi declarado inimigo do Estado e banido da Alemanha. Perante o perigo de revelar a hipocrisia dos dirigentes nazis, Goebbels teve de manter o seu presente de Natal em segredo. Toda a gente sabe que a melhor maneira de manter uma coisa em segredo é confiá-la a um querido diário.

sábado, 4 de junho de 2011

História periódica

Perigo para alguns homens. Ouvi dizer
que vocês não gostam de períodos.

Periodicamente, no decorrer de uma conversa normal, a minha mãe e eu interrogamo-nos sobre a forma como as mulheres lidavam com a menstruação antes de estarem disponíveis no mercado os mais variados produtos de higiene feminina. Não me perguntem como as conversas vão aí parar. A minha mãe, tendo vivido parte da sua juventude numa diminuta aldeia da Beira Alta, sempre defendeu uma teoria baseada nas suas observações de algumas senhoras da povoação. As suas saias compridas e a falta de roupa interior permitir-lhes-iam não usar qualquer dispositivo absorvente durante aquela altura do mês, e o rasto de sangue que deixavam atrás de si seria provavelmente camuflado pelas ervas e poeira que inundavam os caminhos da aldeia.

Embora esta explicação parecesse bastante plausível, há qualquer coisa na mentalidade feminina do século XXI que se revolta contra tal indignidade. Assim, voltei-me para a Internet – que, até hoje, nunca me desiludiu – e descobri que a minha mãe tinha, em parte, razão (ela vai ficar contente com isso).

Hoje em dia os tampões são mais estéticos e confortáveis.
Às vezes até têm caras e falam connosco.
Antes de chegarmos à parte onde vos falarei das adeptas do fluxo livre, frisarei que, mesmo antes da era cristã, as mulheres de várias culturas tentaram resolver o seu problema periódico com as matérias-primas que tinham mais à mão. No Egipto, usar-se-iam tampões feitos de papiro amolecido; em África, ervas enroladas (ouch); no Japão, talvez polpa de papel; nas ilhas do Pacífico, esponjas marinhas; na Grécia Antiga, bocados de madeira envolvidos em tecido. É também possível que estes dispositivos servissem uma outra função – esta contraceptiva (vendo os materiais usados, parece-me que ficavam bastante desiludidas quando ao fim de 9 meses lhes aparecia uma surpresa em forma de bebé).

Como se não bastasse o inconveniente da menstruação propriamente dita, os homens antigos ainda se lembraram de inventar que as mulheres, enquanto afligidas por esta condição, arruinariam inevitavelmente boa comida e a prosperidade da agricultura. O estudioso romano Plínio apresentou isto como facto científico, e a moda continuou até ao século XIX, altura em que respeitáveis jornais médicos da respeitável Grã-Bretanha ainda afirmavam que mulheres com o período eram cientificamente incapazes de fazer conservas de carne. Entretanto, em França, as mulheres sofrendo esta maldição não podiam trabalhar nas refinarias de açúcar, pois estragariam o produto.

Actualmente já há quem faça a personalização
dos pensos por nós.
Aparentemente, no século XVIII já as mulheres tinham aperfeiçoado a arte de criar produtos menstruais, e as mais cuidadosas (ou as que estavam melhor na vida) faziam pensos de tecido, alguns com enchimento de algodão que podia ser substituído. Estas senhoras também concediam um toque claramente feminino às suas criações, personalizando os seus pensos com bordados. É admirável a sua atenção aos pormenores, mesmo em algo que se ia sujar bastante e não duraria muito.

Entre isto, corpetes, armações de saias e cintos de ligas,
as mulheres passeavam mais arreios do que um cavalo.
Lá para o fim do século XIX resolveu-se finalmente o grande problema destes produtos artesanais, com a invenção do cinto menstrual. Este, equipado com dois ganchos que seguravam o penso no sítio devido, foi a salvação de muitas peças de vestuário vítimas de inundações por má colocação do dispositivo. Foi também por esta altura que começaram a ser vendidos pensos higiénicos descartáveis, que inicialmente não tiveram grande sucesso porque as mulheres sentiam embaraço ao comprá-los.

Enquanto algumas senhoras eram abençoadas com a disponibilidade e os meios para fazerem bonitos pensos higiénicos, outras – a maioria, tudo indica – não usavam nada. Afinal, o uso de roupa interior não se encontrava generalizado e o bloqueio do fluxo menstrual era visto como pouco saudável. Antes que comecem a pensar no inconveniente de tal coisa, é necessário considerar que não havia tantos períodos como hoje em dia. O que entre nós é uma maldição mensal era antigamente uma maldição irregular: a menstruação começava mais tarde e acabava mais cedo; as mulheres passavam grande parte do tempo grávidas e a amamentar; havia muitas mulheres malnutridas e doentes.

Escondam as vossas vergonhas.

O século XX foi propício (finalmente) à emancipação das mulheres e dos seus períodos. Nos anos 20 os pensos higiénicos descartáveis começaram a ter mais saída, e nos anos 50 os tampões comerciais tornaram-se populares. Mesmo assim, estes últimos eram vendidos com uma caixa decorada, presumivelmente para esconder a vergonha que é ter o período e usar tampões. Mais ou menos como hoje em dia se vendem caixas para esconder os maços de tabaco que proclamam aos sete ventos: “Fumar mata.”.