quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ligações Perigosas: Wenceslau de Moraes e as mulheres asiáticas


Ao contrário da sua dona, a Lingerie Histórica esteve de férias durante a maior parte do mês de Agosto. Talvez seja apropriado retomar o normal funcionamento do blog com uma história simples e directa sobre imersão cultural. Eis o segundo episódio da rubrica Ligações Perigosas: Wenceslau de Moraes e as mulheres asiáticas.

As roupas de Moraes causariam
sensação em Lisboa.
Wenceslau de Moraes era um militar da Marinha Portuguesa quando pela primeira vez viajou para Macau, em 1888. Dez anos mais tarde, mudar-se-ia definitivamente para o Japão. Quis o destino (ou o homem) que o Sr. Moraes não mais voltasse à sua pátria. Isto talvez tenha sido bom para ele, pois imagino que em Portugal, apesar da afamada tolerância portuguesa nascida de séculos de contactos com os mais variados povos, o acusariam do equivalente lusitano do britânico "going native", actividade de diletantes nada bem vista na Europa consciente da sua superioridade. Pois, pondo agora de lado a sua aclamada obra literária claramente favorável ao espírito japonês em detrimento do "ocidental" (coisa que a Europa ainda poderia perdoar, já que a literatura é um terreno pantanoso), Moraes cedo decidiu adoptar um modo de vida o mais próximo possível do japonês. Além disso, tinha já uma predilecção antiga por mulheres asiáticas.

Moraes com Ko-Haru e a família desta.
Em Macau, casara-se com Atchan, anglo-chinesa, de quem teve dois filhos. Quando se apaixonou pelo Japão e decidiu ali viver para sempre, Moraes abandonou a mulher e os dois filhos – infelizmente o conceito de responsabilidade paterna ainda não estava suficientemente desenvolvido – para, poucos anos mais tarde, se casar com uma gueixa japonesa, O-Yone. Quando esta morreu de doença, Moraes rompe todas as ligações que mantinha com o Estado português (era na altura Cônsul de Portugal em Kobe e Osaka e ainda oficial da Marinha Portuguesa) e, apesar da sua idade respeitável, vai viver com Ko-Haru, sobrinha de O-Yone. É felicidade de pouca dura, pois Ko-Haru morreria três anos depois, em 1916.

Diz-se que Wenceslau de Moraes morreu sozinho, numa noite de temporal, em 1929.

P.S.: Talvez seja uma boa altura para vos dizer que este blog nunca adoptará o novo acordo ortográfico. Será que também estou destinada a morrer sozinha no meu ódio por esta aberração?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Como perder uma fortuna em duas gerações

Habituámo-nos a amaldiçoar as nossas circunstâncias e a crê-las responsáveis pelos nossos falhanços. Portugal está em crise – como sempre esteve e como raramente deixou de estar – porque sofre da mesma maldição que afecta todos os países da Europa do Sul: tem demasiado sol e calor, não conhece as provações de longos e frios Invernos e, devido ao império da Igreja Católica, nunca teve oportunidade de se familiarizar com aquela maravilha do mundo moderno que é a ética protestante.

A mim sempre me pareceu que a ética de trabalho protestante não podia ser tão infalível como a pintavam. Certamente, também no Norte europeu haveria indivíduos sem escrúpulos, preguiçosos, gastadores, mesmo apesar dos bons exemplos que os rodeavam? E no Sul da Europa não faltaria gente empreendedora com ódio ao calor.

Casa imponente: sinal de sucesso protestante.
O problema devia ser ainda mais recorrente do que eu imaginava. O primeiro romance de Thomas Mann, Buddenbrooks (1901), vem atestar esta teoria. Nele, conta-se a história do declínio de uma abastada família mercantil na Lübeck do século XIX, em apenas quatro gerações. Se tal coisa fosse, no mundo real, apenas uma excepção à regra, duvido que Mann se desse ao trabalho de escrever um grosso volume sobre o assunto.

Os pais, a filha, os irmãos, e o marido pegajoso.
Agora vou dizer algo que nunca pensei vir a dizer: não li o livro, mas vi o filme. Nele há tudo o que nos habituámos a ver num drama histórico: um pai bom negociante, gerindo um negócio com sucesso; uma filha que é obrigada a casar com um homem algo pegajoso, apesar de preferir um jovem estudante que conheceu numas curtas férias junto ao mar; um irmão consciencioso e um irmão estroina e hipocondríaco. Resultado? Após a morte do irmão consciencioso – que tomara as rédeas do negócio depois de o pai morrer de velhice ou de doença, ou ambas – a empresa foi à falência. Todos os pratos, pratas e bibelôs tiveram de ser vendidos. Por fim, até a casa; a irmã, única sobrevivente da família, sofre a afronta de ter de vender a sua mansão familiar a um amigo de infância que a assediara insistentemente desde os seus 6 anos.

Num país quente nada disto teria acontecido. Recordemos Sherlock Holmes e o que ele tinha a dizer sobre os povos mediterrânicos: são mais propensos ao assassinato. Assim, a filha teria matado o seu marido pegajoso antes de o seu pai lhe pagar o dote; o irmão estroina assassinaria o irmão ajuizado e, insuflado de coragem e finalmente consciente do seu valor, faria prosperar a empresa. E, provavelmente, o promissor herdeiro da família não teria morrido de tifo.