quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Como perder uma fortuna em duas gerações

Habituámo-nos a amaldiçoar as nossas circunstâncias e a crê-las responsáveis pelos nossos falhanços. Portugal está em crise – como sempre esteve e como raramente deixou de estar – porque sofre da mesma maldição que afecta todos os países da Europa do Sul: tem demasiado sol e calor, não conhece as provações de longos e frios Invernos e, devido ao império da Igreja Católica, nunca teve oportunidade de se familiarizar com aquela maravilha do mundo moderno que é a ética protestante.

A mim sempre me pareceu que a ética de trabalho protestante não podia ser tão infalível como a pintavam. Certamente, também no Norte europeu haveria indivíduos sem escrúpulos, preguiçosos, gastadores, mesmo apesar dos bons exemplos que os rodeavam? E no Sul da Europa não faltaria gente empreendedora com ódio ao calor.

Casa imponente: sinal de sucesso protestante.
O problema devia ser ainda mais recorrente do que eu imaginava. O primeiro romance de Thomas Mann, Buddenbrooks (1901), vem atestar esta teoria. Nele, conta-se a história do declínio de uma abastada família mercantil na Lübeck do século XIX, em apenas quatro gerações. Se tal coisa fosse, no mundo real, apenas uma excepção à regra, duvido que Mann se desse ao trabalho de escrever um grosso volume sobre o assunto.

Os pais, a filha, os irmãos, e o marido pegajoso.
Agora vou dizer algo que nunca pensei vir a dizer: não li o livro, mas vi o filme. Nele há tudo o que nos habituámos a ver num drama histórico: um pai bom negociante, gerindo um negócio com sucesso; uma filha que é obrigada a casar com um homem algo pegajoso, apesar de preferir um jovem estudante que conheceu numas curtas férias junto ao mar; um irmão consciencioso e um irmão estroina e hipocondríaco. Resultado? Após a morte do irmão consciencioso – que tomara as rédeas do negócio depois de o pai morrer de velhice ou de doença, ou ambas – a empresa foi à falência. Todos os pratos, pratas e bibelôs tiveram de ser vendidos. Por fim, até a casa; a irmã, única sobrevivente da família, sofre a afronta de ter de vender a sua mansão familiar a um amigo de infância que a assediara insistentemente desde os seus 6 anos.

Num país quente nada disto teria acontecido. Recordemos Sherlock Holmes e o que ele tinha a dizer sobre os povos mediterrânicos: são mais propensos ao assassinato. Assim, a filha teria matado o seu marido pegajoso antes de o seu pai lhe pagar o dote; o irmão estroina assassinaria o irmão ajuizado e, insuflado de coragem e finalmente consciente do seu valor, faria prosperar a empresa. E, provavelmente, o promissor herdeiro da família não teria morrido de tifo.

Sem comentários:

Enviar um comentário