terça-feira, 24 de julho de 2012

As mulheres e os bigodes republicanos

Um festim de bigodes
Falar de bigodes republicanos parece-me uma boa forma de ressuscitar a Lingerie Histórica depois de um longo hiato. São, afinal, o mais notório, constante e artístico complemento das fotografias do início do Século XX. Porque, na verdade, um bigode não é apenas um conjunto de pêlos que cresce, quase por acaso, acima do lábio superior de muitos homens e mulheres – é uma forma de arte intemporal.


O efémero ressurgimento dos bigodes nos
anos 80 foi claramente um erro.
Hoje em dia, a popularidade dos bigodes está em baixa, mas tempos houve em que estas pilosidades trabalhadas na cara dos homens faziam suspirar as senhoras. Pensei em fazer um estudo científico (tomando em conta todas as variáveis e coiso e tal, enfim, algo que pudesse figurar nas mais consideradas publicações académicas), mas rapidamente me deparei com obstáculos intransponíveis: quem raios não tinha bigode neste Portugal da Iª República? Como iria eu comparar os sucessos amorosos dos com e sem bigode se as amostras têm pesos tão distintos?

Lá se foi a ideia de um rigoroso estudo científico. Mas ainda havia esperança! Podia sempre concluir duas coisas:
1) as senhoras gostavam de senhores com bigodes porque não tinham outro remédio (era difícil encontrar gente sem eles);
2) as senhoras gostavam de bigodes porque estavam na moda, e porque indicavam que o seu portador cuidava minuciosamente da sua aparência (quanto tempo levariam os políticos republicanos, de manhã, a arranjar o bigode? E nós ainda nos perguntamos porque falhou esta República...)

 Perguntei à minha mãe qual era o republicano mais popular entre as senhoras feministas da época. Ela, esperando uma conversa elevada e académica, respondeu que era o Afonso Costa, pela legislação que fez passar e pelas suas ideias políticas. Pois eu defendo que esta popularidade se devia aos seus arranjos pilosos e à sua figura baixinha e rotunda, reminiscente de um ursinho de peluche. Comecemos então por esta infame personagem, que já foi convidada deste blog na evocação do seu terrível acidente de eléctrico na Avenida 24 de Julho. Detenhamo-nos na evolução das suas pilosidades faciais:



É fácil concluir que o bigode – e a pêra que o acompanhava – de Afonso Costa tinham, para ele, grande significado, pois não desapareceram com o avançar da idade do dono. Uns cortezinhos aqui e ali, e os seus adornos faciais tornaram-se mais práticos e de fácil limpeza e cuidado, adaptando-se aos tempos e à velhice do Sr. Costa, que com os tremeliques das mãos os regava de sopa a cada refeição.

Quem não chegou à idade dos tremeliques, sendo por isso poupado à infâmia de ter de aparar drasticamente o seu magnífico bigode, foi Sidónio Pais, um homem que tinha de compensar pela fraca figura que fazia quando trazia vestido o seu sobretudo da tropa, no qual ficava a nadar.


Reparem como o seu bigode se foi encurtando e encrespando, coincidindo perfeitamente com o encrespamento da vida política portuguesa. Resta dizer que o Sr. Sidónio era grandemente apreciado por quase todas as senhoras que lhe punham os olhos em cima, menos a sua esposa -
Sidónio e uma multidão de fãs enlouquecidas.
que se deixou ficar em casa enquanto o seu marido nadava em poder, com o mesmo deleite com que o Tio Patinhas nadava no dinheiro que tinha escondido na cave. Quem não faria o mesmo, se o seu marido insistisse em querer tornar-se Presidente em vez do Presidente em lugar de passar os tempos livres a ensinar Matemática à sua prole? Afinal, toda a gente sabe que os miúdos odeiam números.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vade retro, Acordo Ortográfico

No Domingo passado, lendo uma revista enquanto tomava o pequeno-almoço (que burguesa que eu sou), dei com os olhos numa coluna sobre o novo acordo ortográfico. O meu último post já mostrou o que eu penso do dito cujo. O conteúdo desta coluna ofendeu-me bastante, pois defendia que toda a gente – sim, mesmo as mentes mais sãs – deveria render-se e juntar-se a esta cruzada contra a Língua Portuguesa, já que, aparentemente, "adiar o momento em que passamos também a escrever segundo as novas regras só nos fará «estar atrasados», só fará de nós uns «cotas» agarrados a um passado que já não volta". Estou grata pela informação, mas tenciono ser então uma «cota» (de arquivo?) por muito tempo.

A minha indignação levou-me, por sua vez, a pensar se as vítimas dos anteriores acordos e reformas ortográficas teriam sofrido de semelhantes males de fígado. Recuemos a 1911, quando entrou em vigor a reforma ortográfica que simplificou a escrita do Português. A Lingerie Histórica foi para a rua entrevistar populares para tentar perceber como a substituição do ph por f, do th por t - entre outras - e a eliminação dos y (substituídos por i) afectou os comuns mortais.

Pessoa estava petrificado com o horror
da Reforma Ortográfica de 1911.
Encontrámos o primeiro popular enraivecido na esplanada da Brasileira:

«Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portugueza. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.»

Parece-me fácil adivinhar qual destes senhores
andava descontente com a fuga dos ys.
O Sr. Pessoa, já um pouco corado e de discurso entaramelado (apesar de serem só dez da manhã), parecia particularmente incomodado com o y a partir daí obsoleto. O sentimento parecia ser geral, pois a nossa vítima seguinte tinha queixas semelhantes:

«Na palavra lagryma, [...] a forma da y é lacrymal; estabelece [...] a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio... Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal.»

O Sr. Teixeira de Pascoaes preocupava-se ainda com a possibilidade de as lágrimas deixarem de rolar pelo rosto abaixo na bonita forma de um y, já que este cairia em desuso. Os leitores ficarão felizes por saber que, lá para os anos 40, a escrita de Teixeira de Pascoaes já não mostrava quaisquer vestígios de ys.

Comida impiedosamente atacada por um espetador em série.
Analisando as queixas dos nossos conterrâneos de 1911, concluímos que nós, em 2011, temos mais razão de queixa. A mudança de ph para f não afectava em nada a pronúncia das palavras; a mudança de espectadores para espetadores (é a minha preferida) é já bastante diferente. Quem nos garante que, daqui a uns anos, a população portuguesa saberá que o e deve ser aberto, na falta do c a abri-lo?

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ligações Perigosas: Wenceslau de Moraes e as mulheres asiáticas


Ao contrário da sua dona, a Lingerie Histórica esteve de férias durante a maior parte do mês de Agosto. Talvez seja apropriado retomar o normal funcionamento do blog com uma história simples e directa sobre imersão cultural. Eis o segundo episódio da rubrica Ligações Perigosas: Wenceslau de Moraes e as mulheres asiáticas.

As roupas de Moraes causariam
sensação em Lisboa.
Wenceslau de Moraes era um militar da Marinha Portuguesa quando pela primeira vez viajou para Macau, em 1888. Dez anos mais tarde, mudar-se-ia definitivamente para o Japão. Quis o destino (ou o homem) que o Sr. Moraes não mais voltasse à sua pátria. Isto talvez tenha sido bom para ele, pois imagino que em Portugal, apesar da afamada tolerância portuguesa nascida de séculos de contactos com os mais variados povos, o acusariam do equivalente lusitano do britânico "going native", actividade de diletantes nada bem vista na Europa consciente da sua superioridade. Pois, pondo agora de lado a sua aclamada obra literária claramente favorável ao espírito japonês em detrimento do "ocidental" (coisa que a Europa ainda poderia perdoar, já que a literatura é um terreno pantanoso), Moraes cedo decidiu adoptar um modo de vida o mais próximo possível do japonês. Além disso, tinha já uma predilecção antiga por mulheres asiáticas.

Moraes com Ko-Haru e a família desta.
Em Macau, casara-se com Atchan, anglo-chinesa, de quem teve dois filhos. Quando se apaixonou pelo Japão e decidiu ali viver para sempre, Moraes abandonou a mulher e os dois filhos – infelizmente o conceito de responsabilidade paterna ainda não estava suficientemente desenvolvido – para, poucos anos mais tarde, se casar com uma gueixa japonesa, O-Yone. Quando esta morreu de doença, Moraes rompe todas as ligações que mantinha com o Estado português (era na altura Cônsul de Portugal em Kobe e Osaka e ainda oficial da Marinha Portuguesa) e, apesar da sua idade respeitável, vai viver com Ko-Haru, sobrinha de O-Yone. É felicidade de pouca dura, pois Ko-Haru morreria três anos depois, em 1916.

Diz-se que Wenceslau de Moraes morreu sozinho, numa noite de temporal, em 1929.

P.S.: Talvez seja uma boa altura para vos dizer que este blog nunca adoptará o novo acordo ortográfico. Será que também estou destinada a morrer sozinha no meu ódio por esta aberração?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Como perder uma fortuna em duas gerações

Habituámo-nos a amaldiçoar as nossas circunstâncias e a crê-las responsáveis pelos nossos falhanços. Portugal está em crise – como sempre esteve e como raramente deixou de estar – porque sofre da mesma maldição que afecta todos os países da Europa do Sul: tem demasiado sol e calor, não conhece as provações de longos e frios Invernos e, devido ao império da Igreja Católica, nunca teve oportunidade de se familiarizar com aquela maravilha do mundo moderno que é a ética protestante.

A mim sempre me pareceu que a ética de trabalho protestante não podia ser tão infalível como a pintavam. Certamente, também no Norte europeu haveria indivíduos sem escrúpulos, preguiçosos, gastadores, mesmo apesar dos bons exemplos que os rodeavam? E no Sul da Europa não faltaria gente empreendedora com ódio ao calor.

Casa imponente: sinal de sucesso protestante.
O problema devia ser ainda mais recorrente do que eu imaginava. O primeiro romance de Thomas Mann, Buddenbrooks (1901), vem atestar esta teoria. Nele, conta-se a história do declínio de uma abastada família mercantil na Lübeck do século XIX, em apenas quatro gerações. Se tal coisa fosse, no mundo real, apenas uma excepção à regra, duvido que Mann se desse ao trabalho de escrever um grosso volume sobre o assunto.

Os pais, a filha, os irmãos, e o marido pegajoso.
Agora vou dizer algo que nunca pensei vir a dizer: não li o livro, mas vi o filme. Nele há tudo o que nos habituámos a ver num drama histórico: um pai bom negociante, gerindo um negócio com sucesso; uma filha que é obrigada a casar com um homem algo pegajoso, apesar de preferir um jovem estudante que conheceu numas curtas férias junto ao mar; um irmão consciencioso e um irmão estroina e hipocondríaco. Resultado? Após a morte do irmão consciencioso – que tomara as rédeas do negócio depois de o pai morrer de velhice ou de doença, ou ambas – a empresa foi à falência. Todos os pratos, pratas e bibelôs tiveram de ser vendidos. Por fim, até a casa; a irmã, única sobrevivente da família, sofre a afronta de ter de vender a sua mansão familiar a um amigo de infância que a assediara insistentemente desde os seus 6 anos.

Num país quente nada disto teria acontecido. Recordemos Sherlock Holmes e o que ele tinha a dizer sobre os povos mediterrânicos: são mais propensos ao assassinato. Assim, a filha teria matado o seu marido pegajoso antes de o seu pai lhe pagar o dote; o irmão estroina assassinaria o irmão ajuizado e, insuflado de coragem e finalmente consciente do seu valor, faria prosperar a empresa. E, provavelmente, o promissor herdeiro da família não teria morrido de tifo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O pior dia da vida de Afonso Costa

A Lingerie Histórica, em três meses de vida, viajou por Roma, Egipto, pelo comércio do grão-de-bico e pelas pilosidades humanas. Agora parece que se estabeleceu semi-permanentemente na Alemanha. Acabei de perceber que isto não é nada patriótico. A História de Portugal tem as suas lingeries, obviamente. Por isso, hoje recordaremos o belo dia de Verão em que Afonso Costa sofreu um acidente de eléctrico.

Afonso Costa esgana religiosos insuspeitos.
O Sr. Afonso Costa não era uma figura particularmente simpática. Esta opinião não sofreu grandes alterações no último século, visto que a imagem do republicano mais exibida aos estudantes portugueses e ao público em geral é aquela caricatura em que ele, coroado pelo Demónio, esgana dois pobres religiosos. Assim, não é de admirar que o acidente de eléctrico de Afonso Costa tenha servido para o ridicularizar – além de ter servido, obviamente, para lhe partir a cabeça.

A primeira vez que vi uma menção do acidente do Sr. Costa (pois nunca me dedicara a estudar o seu percurso de vida) foi no decorrer das minhas investigações para a tese de mestrado (vade retro, Satanás!). Um diplomata português no longínquo Japão oferecia os seus sentimentos e desejos de rápidas melhoras ao político, depois de ter sido informado do seu gravíssimo "acidente de viação". Quase consigo imaginar o telegrama enviado a todos os postos diplomáticos de Portugal no estrangeiro: "Honorabilíssimo Afonso Costa sofreu acidente viação STOP Ficou gravemente ferido STOP Na verdade atirou-se do eléctrico para meio Avenida 24 Julho por razões inconfessáveis STOP".

À direita, podem ver Afonso Costa a saltar do eléctrico.
A cartola que levava posta não protegeu a sua cabeça.
Pois foi isso mesmo que aconteceu. Afonso Costa, para além dos seus outros defeitos (nomeadamente o de esganar padres), ainda tinha a mania da perseguição. Quando, no dia 3 de Julho de 1915, viajava calmamente num eléctrico para Algés, foi surpreendido por um clarão e um estrondo provocados por um curto-circuito. Receando um atentado à sua importante pessoa, Afonso Costa saltou do veículo em andamento, espalhando-se ao comprido em plena Avenida 24 de Julho. A sua cabeça, apesar de dura, partiu-se.


Sinal de desprezo por Afonso Costa: o seu bilhete de lotaria
não chega sequer a um mísero milhão de euros.
A coisa não foi tão grave como parecia à primeira vista, porque o Sr. Costa foi mandado para casa lá para o fim desse mesmo mês. Os seus sonhos de poder ficaram, contudo, adiados, e a sua imagem foi (ainda mais) ridicularizada pelos seus opositores. Não se sabe se o estadista voltou a agraciar os eléctricos com a sua presença, ou se ficou demasiado traumatizado
com a experiência para o fazer.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Os símbolos são o que deles fazemos

Quando, no outro dia, andava em busca de material para o meu post sobre o Hindenburg, deparei-me com um aviso na Wikipédia que me relembrava que uma imagem do dirigível ostentava símbolos que podiam ser proibidos na Alemanha e em alguns outros países. Estes símbolos eram, claro está, as suásticas pintadas no Hindenburg. Já conhecia, em linhas gerais, esta proibição, mas decidi recorrer ao detective privado favorito de toda a gente (o Google) e descobrir até que ponto a suástica é proibida, de facto, na Alemanha.

É preciso ressalvar aqui que a suástica não foi inventada pelos nazis. É um símbolo que tem feito aparições ao longo dos séculos em cerâmica grega, em construções e decorações romanas, um pouco por toda a Europa pré-cristã – com maior prevalência no Norte –, e era até usado por algumas tribos nativas americanas. E, claro, na Ásia, particularmente na Índia. É neste continente que a suástica continua a ser usada com grande frequência, já que surge associada ao Hinduísmo, Budismo e ao Jainismo. É por esta razão que, no caso de encontrarem na loja dos chineses da vossa zona uma caixa para jóias ornamentada com suásticas, não devem olhar de lado os donos do estabelecimento. (Encontrei uma destas caixas há uns anos. Parece-me que o produto não terá grande saída em terras ocidentais.)

A Zara passou a olhar com mais atenção
para as fotos dos produtos.



Mas para o ocidental comum, a suástica é o símbolo do mal. Especialmente se se apresentar negra, inclinada a um ângulo de 45°, e rodeada de branco e vermelho. Tanto assim é que, no longínquo ano de 2007, a cadeia espanhola Zara teve de retirar das suas lojas uma mala com um padrão que incluía suásticas devido à queixa de um cliente. Sabendo das políticas das multinacionais de vestuário, é legítimo concluir que o tecido (ou a mala inteira) teria sido importado de um país asiático. Mas nenhuma justificação, mesmo invocando os benefícios da multiculturalidade, poderia salvar aquelas malas num país ocidental.




Na Alemanha, Áustria, e alguns outros países directamente envolvidos na Segunda Guerra Mundial, a exibição pública da suástica é proibida e punível por lei.

Por estas e por outras razões (imprecisões históricas, etc.)
Música no Coração não fez muitos fãs na Áustria e Alemanha.
Se quiserem comprar, na Alemanha, um kit de modelismo de um avião ou tanque alemão da Segunda Guerra, não encontrarão na caixa os devidos decalques das suásticas; se aspirarem ao realismo, terão de as desenhar à mão. Existem, obviamente, excepções à proibição: a suástica pode ser usada em contextos históricos e educativos. O que é conveniente, já que, se assim não fosse, os inúmeros filmes alemães e austríacos envolvendo estes símbolos nazis teriam de ser censurados nos seus países de origem.

Para sairmos um pouco da parte germanófona da Europa e também para deixarmos a suástica em paz, recordemos que em vários países da Europa de Leste outros símbolos foram também banidos: a foice e o machado, a estrela vermelha. Pois também estes são considerados símbolos de uma ideologia totalitária e criminosa – o comunismo soviético.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Hindenburg, o dirigível que se livrou de um terrível nome

O Hindenburg na sua passagem por Lisboa
em 1936.
O dirigível alemão Hindenburg começou a sua curta vida envolto em polémica. Ele contentar-se-ia, sem dúvida, em flutuar descuidadamente sobre os verdejantes campos alemães e sobre o interminável Atlântico, mas muitos humanos são movidos por motivações mesquinhas e acabaram por arruinar o início de vida do gigante paz-de-alma por uma coisa tão insignificante como o seu nome.

Notem o óbvio contentamento que o LZ 129 sente a flutuar,
apesar do seu nome infeliz.
Como todos os meios de transporte, ao Hindenburg foi atribuído um nome técnico genérico (LZ 129). Durante algum tempo foi este o único nome pelo qual foi conhecido, mesmo quando já fazia uns voos de teste pelos céus da Alemanha em 1936. Aparentemente, o matreiro presidente da companhia que o construíra – o Dr. Eckener – já tinha escolhido um nome para o seu bebé, mas lá terá achado que era melhor calar-se durante uns tempos, já que os nazis no poder não estavam para brincadeiras. Tanto assim foi que, nos primeiros voos que efectuou, o LZ 129 apenas ostentou no casco o seu aborrecido nome de registo e os cinco anéis olímpicos que faziam publicidade aos Jogos Olímpicos de Berlim (1936). E, claro, as suásticas.

Mas lá chegou o dia em que o Presidente da Câmara de Munique estragou os cuidadosos planos de Eckener. Estava o LZ 129 a passar sobre aquela cidade quando o intrometido autarca quis saber o nome do dirigível, sem dúvida porque seria mais bonito mencioná-lo com um nome de jeito num dos seus discursos à populaça. Eckener lá teve de responder "Hindenburg", ao mesmo tempo que receava que o céu desabasse sobre a sua cabeça. O que veio, de facto, a acontecer no dia seguinte, quando Eckener foi chamado à presença de Goebbels para uma descasca.

Mas as letras de 1.80m eram difíceis de ignorar.
"Olha, papá, o Hindenburg!"
"Cala-te, Hans, antes que alguém te ouça!"
O Ministro da Propaganda estava visivelmente irritado e exigiu que o Hindenburg fosse rebaptizado como Adolf Hitler. Face à recusa de Eckener, Goebbels determinou que o dirigível seria conhecido na Alemanha apenas por LZ 129 (ooooh, a indignidade!) e ameaçou fazer desaparecer o próprio Eckener da comunicação social alemã. A abordagem típica do “se-o-ignorarmos-ele-deixa-de-existir”, também usada por Estaline nas suas fotos com camaradas indesejáveis. Três semanas mais tarde, o nome Hindenburg foi pintado no dirigível em letras grandes e vermelhas (toma e embrulha, Goebbels!). Não se realizou a usual cerimónia de baptismo, mas o Hindenburg não se importou, porque estava feliz e nada poderia arruinar aquele belo momento.

Quando, a 6 de Maio de 1937, o Hindenburg pereceu, Goebbels suspirou de alívio por não ter conseguido levar a sua avante. Ficaria bastante mal Adolf Hitler ser consumido por chamas impiedosas em solo americano.