quarta-feira, 27 de julho de 2011

O pior dia da vida de Afonso Costa

A Lingerie Histórica, em três meses de vida, viajou por Roma, Egipto, pelo comércio do grão-de-bico e pelas pilosidades humanas. Agora parece que se estabeleceu semi-permanentemente na Alemanha. Acabei de perceber que isto não é nada patriótico. A História de Portugal tem as suas lingeries, obviamente. Por isso, hoje recordaremos o belo dia de Verão em que Afonso Costa sofreu um acidente de eléctrico.

Afonso Costa esgana religiosos insuspeitos.
O Sr. Afonso Costa não era uma figura particularmente simpática. Esta opinião não sofreu grandes alterações no último século, visto que a imagem do republicano mais exibida aos estudantes portugueses e ao público em geral é aquela caricatura em que ele, coroado pelo Demónio, esgana dois pobres religiosos. Assim, não é de admirar que o acidente de eléctrico de Afonso Costa tenha servido para o ridicularizar – além de ter servido, obviamente, para lhe partir a cabeça.

A primeira vez que vi uma menção do acidente do Sr. Costa (pois nunca me dedicara a estudar o seu percurso de vida) foi no decorrer das minhas investigações para a tese de mestrado (vade retro, Satanás!). Um diplomata português no longínquo Japão oferecia os seus sentimentos e desejos de rápidas melhoras ao político, depois de ter sido informado do seu gravíssimo "acidente de viação". Quase consigo imaginar o telegrama enviado a todos os postos diplomáticos de Portugal no estrangeiro: "Honorabilíssimo Afonso Costa sofreu acidente viação STOP Ficou gravemente ferido STOP Na verdade atirou-se do eléctrico para meio Avenida 24 Julho por razões inconfessáveis STOP".

À direita, podem ver Afonso Costa a saltar do eléctrico.
A cartola que levava posta não protegeu a sua cabeça.
Pois foi isso mesmo que aconteceu. Afonso Costa, para além dos seus outros defeitos (nomeadamente o de esganar padres), ainda tinha a mania da perseguição. Quando, no dia 3 de Julho de 1915, viajava calmamente num eléctrico para Algés, foi surpreendido por um clarão e um estrondo provocados por um curto-circuito. Receando um atentado à sua importante pessoa, Afonso Costa saltou do veículo em andamento, espalhando-se ao comprido em plena Avenida 24 de Julho. A sua cabeça, apesar de dura, partiu-se.


Sinal de desprezo por Afonso Costa: o seu bilhete de lotaria
não chega sequer a um mísero milhão de euros.
A coisa não foi tão grave como parecia à primeira vista, porque o Sr. Costa foi mandado para casa lá para o fim desse mesmo mês. Os seus sonhos de poder ficaram, contudo, adiados, e a sua imagem foi (ainda mais) ridicularizada pelos seus opositores. Não se sabe se o estadista voltou a agraciar os eléctricos com a sua presença, ou se ficou demasiado traumatizado
com a experiência para o fazer.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Os símbolos são o que deles fazemos

Quando, no outro dia, andava em busca de material para o meu post sobre o Hindenburg, deparei-me com um aviso na Wikipédia que me relembrava que uma imagem do dirigível ostentava símbolos que podiam ser proibidos na Alemanha e em alguns outros países. Estes símbolos eram, claro está, as suásticas pintadas no Hindenburg. Já conhecia, em linhas gerais, esta proibição, mas decidi recorrer ao detective privado favorito de toda a gente (o Google) e descobrir até que ponto a suástica é proibida, de facto, na Alemanha.

É preciso ressalvar aqui que a suástica não foi inventada pelos nazis. É um símbolo que tem feito aparições ao longo dos séculos em cerâmica grega, em construções e decorações romanas, um pouco por toda a Europa pré-cristã – com maior prevalência no Norte –, e era até usado por algumas tribos nativas americanas. E, claro, na Ásia, particularmente na Índia. É neste continente que a suástica continua a ser usada com grande frequência, já que surge associada ao Hinduísmo, Budismo e ao Jainismo. É por esta razão que, no caso de encontrarem na loja dos chineses da vossa zona uma caixa para jóias ornamentada com suásticas, não devem olhar de lado os donos do estabelecimento. (Encontrei uma destas caixas há uns anos. Parece-me que o produto não terá grande saída em terras ocidentais.)

A Zara passou a olhar com mais atenção
para as fotos dos produtos.



Mas para o ocidental comum, a suástica é o símbolo do mal. Especialmente se se apresentar negra, inclinada a um ângulo de 45°, e rodeada de branco e vermelho. Tanto assim é que, no longínquo ano de 2007, a cadeia espanhola Zara teve de retirar das suas lojas uma mala com um padrão que incluía suásticas devido à queixa de um cliente. Sabendo das políticas das multinacionais de vestuário, é legítimo concluir que o tecido (ou a mala inteira) teria sido importado de um país asiático. Mas nenhuma justificação, mesmo invocando os benefícios da multiculturalidade, poderia salvar aquelas malas num país ocidental.




Na Alemanha, Áustria, e alguns outros países directamente envolvidos na Segunda Guerra Mundial, a exibição pública da suástica é proibida e punível por lei.

Por estas e por outras razões (imprecisões históricas, etc.)
Música no Coração não fez muitos fãs na Áustria e Alemanha.
Se quiserem comprar, na Alemanha, um kit de modelismo de um avião ou tanque alemão da Segunda Guerra, não encontrarão na caixa os devidos decalques das suásticas; se aspirarem ao realismo, terão de as desenhar à mão. Existem, obviamente, excepções à proibição: a suástica pode ser usada em contextos históricos e educativos. O que é conveniente, já que, se assim não fosse, os inúmeros filmes alemães e austríacos envolvendo estes símbolos nazis teriam de ser censurados nos seus países de origem.

Para sairmos um pouco da parte germanófona da Europa e também para deixarmos a suástica em paz, recordemos que em vários países da Europa de Leste outros símbolos foram também banidos: a foice e o machado, a estrela vermelha. Pois também estes são considerados símbolos de uma ideologia totalitária e criminosa – o comunismo soviético.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Hindenburg, o dirigível que se livrou de um terrível nome

O Hindenburg na sua passagem por Lisboa
em 1936.
O dirigível alemão Hindenburg começou a sua curta vida envolto em polémica. Ele contentar-se-ia, sem dúvida, em flutuar descuidadamente sobre os verdejantes campos alemães e sobre o interminável Atlântico, mas muitos humanos são movidos por motivações mesquinhas e acabaram por arruinar o início de vida do gigante paz-de-alma por uma coisa tão insignificante como o seu nome.

Notem o óbvio contentamento que o LZ 129 sente a flutuar,
apesar do seu nome infeliz.
Como todos os meios de transporte, ao Hindenburg foi atribuído um nome técnico genérico (LZ 129). Durante algum tempo foi este o único nome pelo qual foi conhecido, mesmo quando já fazia uns voos de teste pelos céus da Alemanha em 1936. Aparentemente, o matreiro presidente da companhia que o construíra – o Dr. Eckener – já tinha escolhido um nome para o seu bebé, mas lá terá achado que era melhor calar-se durante uns tempos, já que os nazis no poder não estavam para brincadeiras. Tanto assim foi que, nos primeiros voos que efectuou, o LZ 129 apenas ostentou no casco o seu aborrecido nome de registo e os cinco anéis olímpicos que faziam publicidade aos Jogos Olímpicos de Berlim (1936). E, claro, as suásticas.

Mas lá chegou o dia em que o Presidente da Câmara de Munique estragou os cuidadosos planos de Eckener. Estava o LZ 129 a passar sobre aquela cidade quando o intrometido autarca quis saber o nome do dirigível, sem dúvida porque seria mais bonito mencioná-lo com um nome de jeito num dos seus discursos à populaça. Eckener lá teve de responder "Hindenburg", ao mesmo tempo que receava que o céu desabasse sobre a sua cabeça. O que veio, de facto, a acontecer no dia seguinte, quando Eckener foi chamado à presença de Goebbels para uma descasca.

Mas as letras de 1.80m eram difíceis de ignorar.
"Olha, papá, o Hindenburg!"
"Cala-te, Hans, antes que alguém te ouça!"
O Ministro da Propaganda estava visivelmente irritado e exigiu que o Hindenburg fosse rebaptizado como Adolf Hitler. Face à recusa de Eckener, Goebbels determinou que o dirigível seria conhecido na Alemanha apenas por LZ 129 (ooooh, a indignidade!) e ameaçou fazer desaparecer o próprio Eckener da comunicação social alemã. A abordagem típica do “se-o-ignorarmos-ele-deixa-de-existir”, também usada por Estaline nas suas fotos com camaradas indesejáveis. Três semanas mais tarde, o nome Hindenburg foi pintado no dirigível em letras grandes e vermelhas (toma e embrulha, Goebbels!). Não se realizou a usual cerimónia de baptismo, mas o Hindenburg não se importou, porque estava feliz e nada poderia arruinar aquele belo momento.

Quando, a 6 de Maio de 1937, o Hindenburg pereceu, Goebbels suspirou de alívio por não ter conseguido levar a sua avante. Ficaria bastante mal Adolf Hitler ser consumido por chamas impiedosas em solo americano.

domingo, 10 de julho de 2011

Dentro do Führerbunker

Foi manifestado algum interesse pelo Führerbunker via e-mail. Recomendo vivamente uma visita à galeria da revista Life. Aí encontrarão fotografias muito boas do interior do bunker e da Berlim destruída.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Porque usar pessoas como cobaias é sempre uma má ideia

Porque o Homem, dito "animal pensante", é capaz de usar a sua mente racional para cogitar as coisas mais perturbadoras.

Depois da Segunda Guerra Mundial, levantou-se frequentemente a questão da obediência cega a uma/várias figura(s) de autoridade e se os que obedeciam partilhavam a mesma culpa dos que mandavam. Como está na natureza humana querer ter resposta para tudo, realizaram-se em universidades dos Estados Unidos da América várias experiências que pretendiam apurar, de uma forma ou de outra, até onde uma pessoa poderia ir, independentemente dos valores e crenças que afirmava ter.

A experiência Milgram mostrou que "seguir ordens"
nem sempre é louvável.
A experiência Milgram, iniciada em 1961, destinava-se a avaliar a obediência a figuras de autoridade, medindo o grau de obediência dos participantes a ordens que entravam em conflito com a sua consciência pessoal. Ao voluntário era atribuído o papel de professor, e um actor era colocado no papel do aluno/aprendiz. Claro que os voluntários não faziam ideia que este homem era um actor. O voluntário recebia então uma lista com palavras que deveria ensinar ao aluno, juntamente com um botão que, quando accionado, daria um choque eléctrico ao aluno. Este devia ser usado quando o aluno cometesse um erro ao recitar as palavras. Na verdade, não eram administrados quaisquer choques, mas o actor era bom e fazia o voluntário crer que se encontrava num sofrimento horrível. Se o voluntário desse sinais de querer parar com a experiência, o responsável instigá-lo-ia verbalmente. Surpresa: muitos voluntários continuaram a administrar choques eléctricos quando o "aluno" já parecia morto.

Mas dentro desta coisa das experiências com cobaias humanas, nada ultrapassa a experiência prisional da Universidade de Stanford, em 1971. Um respeitável professor de Psicologia achou que seria interessante recrutar uns quantos estudantes do sexo masculino e dividi-los em dois grupos: um de guardas prisionais, outro de presos. Os presos teriam de permanecer durante 14 dias numa cadeia construída para o efeito numa cave da universidade, e os guardas prisionais fariam, obviamente, de guardas prisionais. Estes trabalhavam por turnos, o que significa que podiam ir a casa e fazer as suas vidas. Os presos estavam... presos.

Depressa as cobaias se começaram a adaptar demasiado bem aos papéis que lhes haviam sido atribuídos: os presos amotinavam-se e os guardas usavam violência psicológica para os controlar, uma vez que a violência física estava, no âmbito da experiência, proibida. Entretanto, alguns presos exibiam claros sinais de instabilidade mental. Até o próprio Professor, que em vez de se distanciar da experiência escolhera nela participar activamente – enquanto superintendente da prisão – interiorizou o seu papel de tal maneira, que optou por ignorar o comportamento abusivo dos guardas.

A experiência de Stanford foi recriada no filme alemão Das
Experiment
. A Alemanha tem a tradição de confrontar
cinematograficamente o seu passado.
A experiência foi interrompida ao fim do sexto dia, quando uma colega do professor questionou a moralidade de tais actos. De entre as 50 pessoas que supervisionavam a experiência, foi a única. Recordemo-nos que as cobaias seleccionadas pertenciam à classe média, não tinham cadastro criminal, problemas psicológicos ou médicos. Apesar da aparente normalidade dos intervenientes, quem sabe o que teria acontecido se a coisa tivesse realmente durado os 14 dias previstos...