sábado, 18 de junho de 2011

O bordel espião

Pergunto-me se o GoogleMaps também fornece indicações
de bons bordéis, como faz com os restaurantes.
Na Berlim dos anos 30, no número 11 da Giesebrechtstrasse, funcionava alegremente um bordel chamado Pensão Schmidt. Apesar do engenhoso disfarce fornecido por este nome, toda a gente devia saber que ali não se oferecia apenas cama e pequeno-almoço. Desenvolviam-se no número 11 todas as actividades típicas de um bordel, com a particularidade de os participantes nas ditas actividades serem dignitários alemães e diplomatas estrangeiros – tudo gente importante.

Os desordeiros SAs.
A meio do ano de 1939, os mais atentos já previam o início de uma guerra. Os ainda mais atentos já a previam desde 1933. Neste último grupo incluía-se, provavelmente, a proprietária da "pensão", Kitty Schmidt, que vinha sendo incomodada por uma polícia já não muito tolerante dos vícios berlinenses, ao mesmo tempo que assistia à substituição da sua clientela tranquila por uma data de SAs desordeiros. Assim, a Madame decidiu dedicar parte do seu tempo (aquele que não passava a assegurar o bom funcionamento do bordel) a transferir o seu dinheiro, pouco a pouco, para bancos britânicos, através de refugiados judeus que ajudava a sair do país. O problema veio quando Kitty se dispôs a gastar os frutos do seu trabalho, tendo para isso de abandonar a Alemanha. Em Junho de 1939 saiu de Berlim com um passaporte falso, mas foi apanhada na fronteira por homens do SD – os serviços secretos das SS – que já a tinham debaixo de olho. Aí, a Madame recebeu uma proposta indecente.

Heydrich tenta interessar Himmler nos seus planos, mas este
prefere assegurar-se que fica bem na fotografia.
O manda-chuva do SD, Reinhard Heydrich, tinha tido a brilhante ideia de usar um bordel para espiar gente importante e ver se alguém dizia mal da causa nazi. Heydrich pensou, com admirável lógica, que homens sob a influência de bebidas espirituosas e de belas mulheres sem roupas teriam as línguas necessariamente mais soltas. Estando o SD cheio de indivíduos de espírito prático, cedo se tornou claro que ficaria mais barato requisitar um bordel inteiro do que ter a chatice de se infiltrar num. Quando teve de escolher entre ir para um campo de concentração ou ajudar o SD neste seu plano diabólico, Kitty não terá tido grandes dúvidas.

Hábil recriação do Salon Kitty com letreiro de néon
à maneira de Las Vegas.
A Pensão Schmidt ficou uns meses fechada para obras, para tristeza dos seus clientes. O que estes últimos não sabiam era que o interior do edifício estava a ser artilhado com aparelhos de escuta de última geração. Entretanto, a polícia de Berlim realizava rusgas diárias em bordéis e outros sítios mal frequentados para reunir algumas prostitutas que seriam depois submetidas a um treino especial de espionagem. Quando reabriu as suas portas, de cara lavada, o bordel agora chamado Salon Kitty tinha vinte novas raparigas para uso exclusivo de uma clientela especial, que se identificaria através de uma frase-código: "Venho de Rotemburgo". O código foi então astutamente espalhado por entre selectas figuras do aparato militar nazi e do corpo diplomático estrangeiro. É, contudo, lamentável que após tamanhas manobras de espionagem o código fosse tão pouco glamoroso.

Depois de entreter inúmeros e indiscretos clientes de alto gabarito, o Salon Kitty sofreu em Julho de 1942 um ligeiro bombardeamento que obrigou a uma pequena relocalização das instalações. Conscientes de que um edifício meio destruído fazia pouca figura, o SD abandonou o projecto. Madame Kitty saiu a ganhar: as vinte raparigas especialmente treinadas em línguas estrangeiras, combate corpo-a-corpo, política externa, economia, e sabe-se lá em que mais ficaram ao seu serviço.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo conteúdo e pela forma desta lingerie que não deixa de surpreender!
    Gostei de saber os pormenores da Pensão Schmidt. Será que foi por essas bandas que as SS e as SA confraternizaram na "Noite das Facas Longas"?

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  2. … interessante o que se aprende por aqui…
    Apenas um comentário: por mais que concorde que a frase-código não tem muito de glamoroso, não nos esqueçamos que não é propriamente pelo glamour que os alemães são conhecidos. Uma frase mais glamorosa talvez levantasse suspeitas, ou será que sou eu que já vi filmes a mais?

    Beijinhos,
    FATifer

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  3. Anónimo: Não terá sido neste bordel - isso estragaria os estofos!

    FATifer: Os franceses detinham a patente do glamour, mas parece que entretanto a perderam. Talvez tenha atravessado a fronteira? Ou talvez o faça nos tempos mais próximos. Mas concordo, os alemães são essencialmente práticos.

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