quinta-feira, 23 de junho de 2011

A triste sina do pêlo

O pêlo foi sempre o habitante mais indesejável do corpo humano. Actualmente, essa honra pertence aos micro-organismos menos simpáticos – algumas bactérias, vírus, parasitas et al. – mas os pêlos ainda vêm em segundo lugar.

Tenho a certeza que os pêlos deverão servir algum propósito obscuro, caso contrário teriam sido já eliminados pelo processo evolutivo. Não obstante, o ser humano dedicou-se, desde cedo, a apagar todos os vestígios de pilosidades indesejáveis. Estando as Gillettes a uns séculos de distância, as pessoas tiveram de ser criativas.

Há algo de estranho em rapar cabelos para depois
se usarem perucas. Mas pensem nos piolhos.

Antes de o Homem ter percebido que poderia usar lâminas fabricadas especialmente para o efeito (havia também o incómodo problema de ele ainda não ter aprendido a trabalhar o metal), foi obrigado a servir-se de coisas que a Natureza lhe fornecia em abundância: um par de conchas – usadas como pinça –, pedra lascada, dentes de tubarão. Tudo indica que tenham sido os egípcios os primeiros a usar lâminas de metal na sua depilação diária, o que viria inaugurar uma longa era de acidentes depilatórios embaraçosos.


"Barbeai-vos, e sereis
recompensados!"



Apesar de tudo, muitos homens não veriam qualquer problema em passear enormes barbas e, presumivelmente, muitas mulheres também não se importariam com as suas pernas hirsutas. Alexandre, o Grande veio, porém, incutir novos hábitos aos seus seguidores, pois estava farto de assistir a desaires militares provocados por puxões nas barbas dos seus soldados.




Mas parece que Adriano apenas usava barba para esconder
a sua má pele. As mulheres não tinham esta opção.
Os romanos, se eram gente prática em muita coisa, não o eram quando se dispunham a depilar-se. Júlio César preferia que lhe arrancassem os pêlos da barba um a um, com uma pinça – resta saber como arranjava tempo para legislar e entrar em guerras –, enquanto os seus conterrâneos se livravam das suas pilosidades faciais e corporais esfregando uma pedra-pomes na pele (sim, tudo parece indicar que os romanos eram masoquistas). Felizmente, parece que alguns escolhiam evitar o sofrimento usando lâminas. A moda das barbas apenas seria reintroduzida em Roma pelo imperador Adriano (76 – 138 d.C.), que adornava a sua cara com uma bem cuidada barba.

Entretanto, as mulheres – sempre engenhosas – inventavam cremes depilatórios. O que não é surpreendente, visto que a alternativa era uma pedra-pomes. Ou um acidente com uma lâmina afiada.

Gillette também fez dinheiro vendendo
lâminas a bebés. Que vergonha.



Até à invenção de lâminas mais ou menos seguras, os homens eram obrigados a ter arte e uma mão firme no momento de se barbearem, ou a entregar o serviço a um barbeiro profissional e esperar que ele não tivesse bebido demasiado na noite anterior. Apenas em finais do século XIX seriam inventadas as lâminas de segurança, com um dispositivo que evitava feridas graves. Daí até à invenção das lâminas descartáveis foi um instante. Desde então, a marca Gillette tem acumulado milhões, tudo porque o seu fundador percebeu que vender um aparelho barato com lâminas recarregáveis caras encheria os seus bolsos. É o capitalismo em acção.

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